quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

a sagração do alimento

cruel
o mundo

se a beleza

de vora r

amizade
alimento
ânimo


respirar

é sagrado
...comer e ser comido
antigas tradições
nos exilam
do divino

sábado, 11 de dezembro de 2010

graças à entropia




a vida é um pequeno


barco de nada



rumo ao nada
final

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

domingo, 24 de outubro de 2010

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

terça-feira, 19 de outubro de 2010

sábado, 16 de outubro de 2010

preciso aprender a desistir (dos meus vícios)

devo confessar que já cometi
poemas


só que poesia é
fogo


poesia escapa sempre
escapa


fumaça de incêndio
(que não há)


na verdadeira poesia não há verdade
só poesia


a verdade é que na vida estamos sós
e a poesia


na vida a poesia é tudo
ou nada


e no entanto a vida pede uma poesia
que falta


mas à poesia não falta
nada

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

sábado, 2 de outubro de 2010

A Mansão dos Meninos Imaginários


― Secretário... sente-se por favor, fizemos uma edição dos vídeos da menina, hãm... são os trechos mais... polêmicos, os mais sensíveis, por assim dizer, para um dos carros-chefe do governador: a reformulação da Secretaria do Menor...

― Caralho Proença, o governador me comendo o rabo, essa bosta de vídeo bombando no twitter, a reeleição em primeiro turno perigando, como é que você acha que o homem tá, hem? Quem pôs banda larga nessa porra de abrigo?

― Foi uma doação dos rotarianos do bairro... as crianças é que criaram a conta, bem... já tiramos tudo do ar, o problema são os virais rolando nas redes sociais...

― Rede social de cu é rola, Proença!... Um puta estrago desses na reta final da campanha! Vamos ter que achar nessa merda daí uma saída, mandar para o marqueteiro da campanha aprovar... O governador tem coletiva de imprensa logo mais à noite, que cacete!

― Bem, vamos assistir neste aparelho... ah, não se preocupe, a sala passou por varredura...



“A Daiane dá saltos bem altos, eu sou a Daiane dançando, levanto a perna, requebro, dou pulos e cambotas, fazendo piruetas pelo ar e o mundo todo aplaudindo de olhos arregalados; ela é a menina mais bonita do mundo porque ela não é só uma campeã olímpica, porque ela é também Miss Universo, a mais linda de todo sempre; então, quando ela já ganhou a medalha de ouro mais o prêmio de um milhão de dólares, ela vai dar o maior de todos os saltos mortais de todos os tempos, a platéia fica com medo do que vai acontecer, ran-tan-tan-tan, são os tambores tocando no maior estádio do mundo, que nem no circo, e a Daiane voa muito alto, tão alto que ninguém sabe como ela vai descer, e então vem um menino muito bonito, igual aquele do “Esqueceram de Mim”, e pega ela voando e leva ela no trapézio para junto do pai e da mãe dele, que são também os donos do circo, e eu vou junto com eles viajando pelo mundo afora, deixando as pessoas muito admiradas na Europa e em Nova Iorque. Nós somos muito felizes e famosos em Hollywood também.”

“Agora, voltei a me chamar Rayane, que é meu nome de verdade; é que antes mudaram meu nome para Maria Eugênia, um nome feio e de gente velha, tenho 9 anos e estou no segundo ano do fundamental, não gostei que mudaram meu nome, também não achei bom quando me levaram, prefiro morar aqui: já conheço os monitores, a tia Neide da cozinha, as coordenadoras, o diretor; prefiro morar no abrigo, todos os meus amigos são daqui, do Abrigo Geneton Ilaci. A gente vem pra cá quando deixa de ser criancinha-bebê, daí ninguém mais quer adotar nós e falam pra gente que agora nossa família é o abrigo, só vamos sair quando ficar de maior; outra coisa que falam é que quem faz coisa que não deve vai parar na Fundação Casa, a FEBEM, lá é muito podreira, só tem meninos bem ruins que apanham muito dos monitores. A gente chama mesmo é de Fundação Casa do Capeta. Eu estou no Geneton porque meus pais morreram queimados no barraco onde a gente morava; o Elias, um menino mais velho, morava lá também na favela do Jaguaré e disse que os ricos quando vão fazer os condomínios deles mandam queimar as casas dos pobres. O Elias perdeu a mãe nesse incêndio, do pai ele nunca soube.”

“Tem uns tio bonzinho que sempre aparecem no Dia das Crianças e no Natal, eles dá presente pra nós; foram eles que botaram computador e agora tem Cartoon e Discovery Kids na nossa TV, mas os monitores só deixam a gente ver 2 horas por dia, eles são muito chatos, eles tá sempre dizendo: ‘tem coisa que pode e tem coisa que não pode’. Não pode é o que eles mais falam; criança não pode quase nada, mas eles fica assistindo filme a noite toda, que eu sei. O que eu mais gosto de ver no Cartoon é a Mansão Foster para Amigos Imaginários, a mansão é que nem o Geneton, o senhor Coelho e a Madame Foster recolhem os amigos imaginários quando as crianças abandonam eles ― nunca que eu vou abandonar a Daiane, ela é a minha melhor amiga. Lá na escola, as outra menina me zoa, elas não brinca comigo no recreio, nem convida para as festa delas; na escola tem os ‘populares’ e o resto, quem não é popular chamam de ‘os FEBEM’, mesmo que não seja do abrigo. Só não dizem na cara porque têm medo de apanhar, têm medo de nós, como se a gente fosse tudo bandido; as meninas da minha classe só me dão tchauzinho na saída, quando os pais buscam elas e eu estou entrando na perua do Geneton. Fazem só pra chatear, como dizendo: ‘agora eu vou pra minha casa, e você?’”

“Alguns meninos e meninas daqui tem mãe na prisão, todos sonham que ela vai voltar e tirar eles daqui; a mulher que me levou, Dona Mércia, disse que ia me levar para morar num apartamento grande, me chamava de filha, e que ia ter um quarto só pra mim e até ia ganhar um Gameboy; acreditei nela, todo mundo dizia que era uma chance na vida. Mas não foi nada do que ela falou, ela e só reclamava comigo: que não como direito, que não arrumo o quarto, até me levaram numa pissicóloga para ela tirar a Daiane de mim. Essa bruxa tava sempre gritando, me chamando de louca, dizia que eu não podia ficar falando sozinha, que fazia xixi na cama toda hora ― isso é vida? Daí que eu penso na história de ter uma chance, eu já tive uma chance na vida: ninguém sabe como não morri queimada junto com meus pais, se eu fosse a Daiane acho que eu tinha salvado eles; fico triste quando penso nisso, fico triste também porque aquela mulher mudou meu nome e botou o da mãe dela que tinha morrido. É ruim ser devolvida, parece que fui eu que aprontei e que não sirvo pra ninguém. Por isso que gosto tanto de ver a Daiane dos Santos na TV, ela é tão dez!, ela é uma campeã de verdade, admiro muito ela porque ela continua, dá aquele tuíste carpado mesmo sentindo dor.”

Os adultos só mandam, mandam em tudo, mandam nas coisa e nas palavra, por exemplo, quando a gente faz merda aqui no Geneton, primeiro os monitores dão bronca e depois vem o diretor e dá um castigo de verdade. Ser criança é difícil por causa dos adultos, ser criança demora muito; aprendi que primeiro a gente precisa saber quem manda nas coisas, para depois fingir que acredita no que dizem. Na escola nunca falam: ‘você está de castigo’, mas você está, fica fora da classe sem poder brincar, só esperando a aula acabar; você tá de castigo, mas eles dizem que não é bem assim. O problema de gente grande é que eles é só grande, não é melhor que nós, os pequeno, a gente vira grande quando esquece como é ser criança.”

quarta-feira, 8 de setembro de 2010



a clinica na mídia

no dia dos pais, a Folha São Paulo publicou as desventuras em série de um pai diante da errância do filho psicótico. Mesmo sem obter resposta satisfatória, aquele pai acompanhou as peripécias de um filho, apostando num plano de consistência que comportasse uma subjetividade tão original quanto esquisita. Ele concluiu seu relato dizendo que o filho morreu por problemas cardíacos decorrente do uso de medicamentos, e alertou para o banal do fato.

no dia da Pátria, trouxe a trágica epopeia do menino Kyle Warren que começou a tomar antipsicóticos aos 18 meses. Como sua mãe estava “desesperada, sem saber o que fazer”, o psiquiatra achou que os remédios ajudariam a tratar o transtorno da criança: fortes acessos de raiva. a psicoterapia é a chave para o tratamento, mas às vezes as famílias querem uma solução rápida e a terapia pode demorar um pouco para apresentar os resultados buscados.

uma coisa que se ignora é o momento em que a loucura faz buraco no sistema, mas ela sempre se faz acompanhar da aversão à obrigação. Além disso, também é depositária do direito de decidir por quais vias e enlaces, o sujeito devém.

a lição que se tira destas notícias: nunca esquecer que os antipsicóticos podem favorecer a melhora, mas que devem ser usados de modo suplementar.


a clinica na mídia

no dia dos pais, a Folha São Paulo publicou as desventuras em série de um pai diante da errância do filho psicótico. Mesmo sem obter resposta satisfatória, aquele pai acompanhou as peripécias de um filho, apostando num plano de consistência que comportasse uma subjetividade tão original quanto esquisita. Ele concluiu seu relato dizendo que o filho morreu por problemas cardíacos decorrente do uso de medicamentos, e alertou para o banal do fato.

no dia da Pátria, trouxe a trágica epopeia do menino Kyle Warren que começou a tomar antipsicóticos aos 18 meses. Como sua mãe estava “desesperada, sem saber o que fazer”, o psiquiatra achou que os remédios ajudariam a tratar o transtorno da criança: fortes acessos de raiva. a psicoterapia é a chave para o tratamento, mas às vezes as famílias querem uma solução rápida e a terapia pode demorar um pouco para apresentar os resultados buscados.

uma coisa que se ignora é o momento em que a loucura faz buraco no sistema, mas ela sempre se faz acompanhar da aversão à obrigação. Além disso, também é depositária do direito de decidir por quais vias e enlaces, o sujeito devém.

a lição que se tira destas notícias: nunca esquecer que os antipsicóticos podem favorecer a melhora, mas que devem ser usados de modo suplementar.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Ontem fui à Bienal do Livro

Juro não consegui sabotar
Eram tantos livros bonitos e belos
Tinha Monteiro Lispector
Tinha tinha Clarice Lobato
Também tinha Jorge Coelho
E quem diria Paulo Amado

Havia as moças bonitas e exigentes...
Seriam também inteligentes?
Ora deixa pra lá, não sabia
Eu o que pensavam!
Tinham sim bonitas coxas
E lindos peitinhos

"Gente" eu vi e senti
Tanto livro e eu sem grana
Quase quase me espanto!
Tudo era muito bom
E isto me causava "gana"
Depois eu vos "conto"

Só sei que não dei bobeira
À meia-luz, ao meio-dia
Valia quase tudfo
Era Book digital
Que até sonhei Melodia
Êta cultura banal;
Muito Muito cuidado
com o anal...

Libni Gerson
22/08/10

sábado, 14 de agosto de 2010

ressurreição

Sim, houve um tempo em que uma mulher podia se chamar Odete ― e isto sem prejuízo da sua vida amorosa e sem bullying na escola ―; havia, como hoje ainda há, embora menos, aquela mania de usar a mesma letra para dar nome a todos os filhos. Outros tempos, outros costumes. E também a quantidade de filhos era outra, por exemplo, Dna. Odete, católica apostólica e romana, moradora da Vila Maria, eleitora do Adhemar, do Jânio, do Maluf, do Cunha Bueno e do Collor, era a terceira de cinco irmãos: Oldemário, Olinda, Odete, Onésimo e Onilda. Ninguém merece.

Dna. Nicinha, mãe de Dna. Odete, nasceu, viveu, casou, teve seus cinco filhos em casa e findou seus dias sem nunca ter saído de Brumadinho. Mesmo antes de enviuvar, Dna. Nicinha já criava uma gataria numerosa no pied-à-terre onde passou toda a sua vida de casada. Olinda e Onésimo, que moravam com a mãe, decidiram livrar-se do gatil depois que Deus a levou em Seus braços. Dna. Odete ficou com o Tareco, um macho cinza-almiscarado, caçador e benquisto entre as bichanas da região. Devidamente capado, tratado e gorducho, Tareco se adaptou à maravilha ao ritmo paulistano.

O mundo gira e a Lusitana roda, passam-se os anos e Dna. Odete volta a Brumadinho com o Tareco na gaiolinha. Despachado por avião, assim como a dona, lá se vão eles para um reencontro familiar; a viagem não é curta: avião até Belo Horizonte e ônibus ou van por mais cento e tal quilômetros de uma estradinha nervosa. Ao desembarcar as bagagens, um funcionário do Aeroporto da Pampulha se apercebe da tragédia: o gato está morto dentro da gaiola. Pânico no setor de cargas, chamam a supervisora da companhia aérea que constata o óbvio e se instala o impasse.

Alguém se lembra do Odilon, o encarregado dos depósitos, que, como ele mesmo se auto-define, é o “fazedor de zero a tudo”; o encarregado tinha fama de criar uns gatos na região dos hangares. Odilon traz um gato igualzinho ao falecido felino pelo cangote, o bicho a arranhar, rebusnar e regougar como um louco, e o enfia na gaiola. Problema resolvido. A supervisora retorna para o balcão da companhia a tempo de assistir a Dna. Odete desmaiar na esteira das bagagens. Mais corre-corre, a rechonchuda senhora é levada às pressas para a enfermaria do aeroporto.

Durante o vôo Dna. Odete sonhara que encontrava a mãe no jardim da casa em Brumadinho; chamava-a, mas ela não lhe dava atenção, continuava a cuidar dos gatos. Um deles, o Tareco, levanta o focinho do pires e lhe... sorri! Meio litro de soro e um eletrocardiograma depois, Dna. Odete, omitindo esta parte, conseguiu explicar entre lágrimas:

― Virgem Santíssima, que susto, de repente, tava lá o Tareco vivo! Ele tinha morrido e eu ia levar para enterrar o bichinho na casa de minha mãe, como prometi a ela no leito de morte... No vôo sonhei com ele e aí eu olho, e ele tá vivinho da silva, pelas alminhas, alguém me explique?...

Dna. Nicinha se preocupava muito com o futuro dos seus bichos de estimação. Apesar de idosa e doente, percebia a jiriza renhida de Olinda contra eles, assim que tratou pessoalmente da adoção de cada um, instruindo até sobre os cuidados póstumos. Um milagre acontecera, a notícia se espalhou pelo saguão do aeroporto. Malandro é o gato: como lucro da romaria que se formou em frente à enfermaria, o gatarrão do Odilon se entupiu com a ração que uma alma caridosa lhe trouxe.

sábado, 31 de julho de 2010

o homem que atrasava

― “... no inverno de 1913, dois meses depois de conhecê-lo, Anna vai procurar Aleksandr em sua casa...” ― Luna repassava com ele capítulos inteiros da sua tese de doutoramento em letras russas.

― Essa mulher está de xale negro em todas as fotos ― Bartô queria era dizer que aquela poeta transformara a vida sexual deles numa prosa insípida.

― Mas também... ela foi proibida pelo pai de usar o sobrenome dele, teve o primeiro marido fuzilado pela Revolução, o terceiro morto num campo de concentração, o filho preso...

― “Não sou tão terrível que ingenuamente possa matar; e nem tão ingênua...” ― as coisas lhe corriam bem na corretora, moravam numa cobertura, mas a mulher não saía do computador nos últimos meses.

― “... que não saiba como a vida é terrível”, você já decorou... ― andava preocupada com os atrasos dele, sentia a culpa aguilhoá-la a cada vez que o via levar o jantar esquentado no microondas para a sala de TV sozinho.

***

― “Quem se encontrou com quem, quando e por quê” ― toda vestida e pintada, o chinelo de feltro.

― “...quem morreu e quem sobreviveu e quem é o autor, quem o herói” ― Bartô não conseguia ver mais nada; aquele corpo de bem mais de uma centena de quilos revelou uma nesga de coxa branquicenta, fios de veias azuladas desciam para a panturrilha.

― “... e que necessidade temos, hoje, desse discurso sobre um poeta” ― arrepanhou o tutu da saia como se fosse dar um passo de dança. Desde que ficou claro que além do sexo não tinham outro assunto, falavam assim, recitando.

― “... e um enxame de fantasmas?” ― desolado, deixou-se cair no sofá. Dois meses depois de a ajudar a carregar as compras na garagem, tinha ido ao apartamento dela para tomar o café prometido. O café pelava de tão quente.

― “Ninguém bate à minha porta, o Silêncio mantém silêncio” ― preparou dois drinques e os trouxe para mesinha de centro. Notou que ele ainda não relaxara.

― “... e o espelho sonha apenas com o espelho” ― ela sentou ao seu lado. Sentia-lhe o perfume cálido das carnes graxudas, a massa de ser o envolvia com o balanço nutrido dos seus fluxos e refluxos incontidos. Já na primeira vez que foi lá se atracaram.

― “Hoje, tenho muito o que fazer: devo matar a memória até o fim” ― foi até o quarto, voltou só com o roupão entreaberto deixando adivinhar a lingerie vermelha. Havia pouco tempo, ele logo teria de ir para casa, no bloco B do mesmo condomínio. Não sabiam o nome um do outro.

― “Minha alma vai ter de virar pedra, terei de reaprender a viver” ― saía mais cedo do escritório para trepar com a sua vênus esteatopígia no final de tarde. Quando ela lhe pediu que conversassem sobre alguma coisa, ele só conseguiu repetir os versos da outra. Anna Akhmátova lhe devolvia assim o corpo roubado. Bebeu de uma talagada.

― “Mas um sonho é também algo de real” ― caminhou na direção do quarto, parou recostada ao batente ocupando toda a porta. Soltou os cabelos presos a um lenço de seda. Agarrou-a por trás, falto de a poder abarcar por inteiro. Ela rinchava rouca égua selvagem, sucuri lesa no banhado.

― “O mistério de um não-encontro tem desolados triunfos” ― deu-lhe beijos melados, mordiscou-lhe a saboneteira, a barbela e os três queixos, titilou a orelha miúda, lambe-lambendo os bicos das mamas suntuosas enquanto arrancava o paletó e os sapatos aos tropicões.

― “Frases não ditas, palavras mudas, olhares silenciados” ― a calcinha apertada ela deslizou sobre as coxas rubicundas; o chorume orgânico do seu unto de foca se misturava a ele, que se debatia agoniado embaixo dela na cama queen size.

― “Tu me inventaste, não há um ser assim e nem poderia um ser assim haver” ― o empuxo da matéria pingue o arrastava para as profundezas de um pesadelo gozoso; delirava ao léu por mares de delícias gelatinosas, seu pau e sua alma sugados pelo úbere da mãe d’água suspirosa e gordã.

― “E a tudo isso chamaremos de amor imortal” ― ela sempre soube que ele voltaria para a mulher, não se enganava, mas ainda queria acreditar que se encontrariam num futuro inacreditável quando as forças do mundo se esgotarem.

***

― Meu bem, tenho uma notícia maravilhosa: marcaram a data da defesa! ― Luna viu quando o rosto dele faiscou de desejo, ficou encabulada com olhar que a percorreu de cima a baixo. Tinha engordado nos últimos meses.

a vida depois

Qualquer tragédia que nos atinge tem efeitos imediatos e duradouros; morrer, em certo sentido, é sempre traumático, já que o mais difícil não é sair da vida, mas aprender a morrer. Pode até parecer um truísmo, uma tirada acaciana, maiormente no meu caso, que tive a bênção da chamada boa morte: depois de 83 bem vividos anos, morri como nasci, balançando na rede. Sim, sou um defunto-autor, ou um autor-defunto, se preferirem; antigamente, só os gênios, os gatos, os loucos e os médiuns davam voz e vez aos desencarnados, hoje em dia, com a computação quântica, tudo é possível, até fazer o nada agir sobre um circuito integrado. São os mistérios corriqueiros da informática.

Não dêem ouvidos a essa peta de “narrador inconfiável”, a passagem de plano despe a alma de certas mumunhas que tanto atravancam vocês, que estão aí. Por exemplo, não vou lhes esconder o destino que, cedo ou tarde, nos unirá: assistir da primeira fila o esbulho da família no pós-óbito imediato; minhas filhas tiveram de azeitar com moeda sonante os gonzos da máquina funerária a cada vez que ela se moveu na opereta bufa que foi o meu sepultamento. Morrer não é fácil, mas se aprende, viver é que é uma aventura sem garantias. Sinto muito se ofender crença ou teoria de quem leia estas mal acabadas linhas, mas aqui se trata de uma tanatografia, portanto, nada de dourar as infâmias com a tinta da melancolia, nem de esboçar as baixezas com a pena da galhofa, vou, isto sim, escarificar as cascas de cebola do vivido em primeiríssima pessoa.

Fiz carreira vitoriosa como promotor e atingi a Procuradoria de Justiça, embora tenha me faltado munição para chegar a desembargador; só agora, no entanto, me dei conta da enorme disparidade de status legal entre o nascer e o morrer. Neste belo e pujante país, nasce-se privadamente (se meios os genitores houverem), mas só se morre nos braços descuidados da coisa pública. Cometi a molesta indelicadeza de morrer de madrugada, o que complicou bem certos passos, como obter atestado de óbito do médico tratante e garantir que o rabecão da prefeitura viesse retirar meu presuntivo corpo a tempo e horas de um condigno velório. O médico, amigo de uma das minhas filhas, deixou o atestado na portaria do prédio; já o translado do corpo precisou de um “cafezinho” para agilizar. Nessa, foram logo milão.

A outra filha, como a mais velha fruto do primeiro casamento, foi avisando a família por telefone, enquanto o meu caçula enchia a cara no primeiro boteco que encontrou aberto. Esse menino me preocupa. Sabe aquele negócio de maquiar, enfiar algodão na napa e orelhas, passar baton, vestir o morto?, pois bem: é à parte. O motorista do carro fúnebre ligou, chegaram até rápido; foi sorte, estavam por perto. Sempre em espécie, mais quinhentão. Ao desmaterializar, ganha-se o singular poder de ouvir os pensamentos dos outros, os vivos, de modo que acompanhei a azeda discussão externa e interna sobre a decoração do velório e a escolha do féretro. Minhas filhas pagaram tudo (com os estafermos dos meus genros dando pulinhos), regateando aqui, hesitando acolá, premidas entre os ambíguos sentimentos em relação a mim e o medo de passar vergonha diante da parentada.

Quem não tem dinheiro, ou vontade de gastá-lo com o finado, pode requisitar gratuitamente do poder público uma urna popular, chamada eufemisticamente de modelo standard ― confeccionada num horrendo compensado de madeira e provida de 2 alças que nunca devem ser usadas como tal. É um interessante exemplo de parceria público-privada a atuação das agências funerárias conveniadas aos cemitérios: entre coroas (de flores naturais e artificiais), sala de flores completa, lacre ecológico, paramentos (conforme a religião), véus, velas ¾ e a taxa de sepultamento, mais (para as meninas, menos) três milhetas e meia.

O terno sextavado de madeira que me coube foi um modelo “luxo”, logo acima do standard, mas abaixo do super luxo e distante anos-luz do alto padrão. Este último sim, um objeto de desejo para os ectoplasmas: urna italiana, 6 alças douradas tipo varão, forração acolchoada na caixa e no tampo, travesseiro, babados e sobrebabados em renda, acabamento externo em verniz de alto brilho, opção com e sem Cristo dourado no tampo trabalhado em alto relevo, e visor amplo. O visor, de grande utilidade, permite aquele derradeiro beijo a caminho da cova, sem o incômodo do contato com a carne fria. Vocês talvez nos censurem tais veleidades, mas o fato é que todos dão sua bocada; as coroas e arranjos exibiam secas strelízias, girassóis liofilizados e murchas orquídeas, tangos e gipsofilas. Pétalas de rosas e lírios que deveriam cingir minha rígida figura foram substituídas por popularescos crisântemos; minha mulher, que entende de flores, percebeu e, pudicamente, engoliu mais essa, que havia consumido duzentinhos extra.

A magistratura arraigou em mim o conceito da justiça; embora as pessoas não gostem de ouvir, o certo e o errado existem, assim como existem aqueles a quem compete guiar e exemplar a comunidade. Que estes últimos estejam nas classes superiores e tenham que ser ajudados na tarefa de educar a multidão, causa espécie aos hipócritas. Na única vez em que inverti este proceder, na criação dos filhos, fui muito mal compreendido por minhas filhas, Morgana, a médica, e Cordélia, advogada. O certo é que nunca perdoaram o ter me casado apenas um ano depois de perder a mãe delas para o câncer ― de estômago, como mamãe. Naquela época, eu e meus irmãos fomos distribuídos entre tios e avós; a minha sorte foi tia Mirtes, professora de inglês em Visconde do Rio Branco, ter me dado casa e estudo. Só um irmão veio de Minas para o meu enterro, o pobre veio de ônibus, o que atrasou a bênção final. Quatrocentas razões convenceram padre e coveiro a esperar.

Protegi demais a meu filho, mas porque ele era o mais frágil, o menos preparado para a vida; não agüenta pressão, coitado, voltou a beber agora que se separou, e isto depois da pancreatite que quase o arrebenta de vez. Papai também se acabou na bebida; muitas vezes fico me perguntando se os genes não brincam com nossos destinos. Tudo se repete, tudo volta. Meus últimos anos foram como os primeiros, de muita necessidade e apertura. Estava há dez anos no casarão da Barra Funda, herança da família de Creuza, morando junto com a irmã dela e à espera de sair o inventário de um terreno na Avenida Brasil que poderia nos tirar a todos do cortado. Enquanto tive bens para torrar com ele, Benjamin era papai pra cá, papai pra lá; desde que aquela argentária da mulher e a golpista da filha o jogaram na casa dos velhos, ele logo transferiu os dengos para a mãe. Nem palavra mais me dirigia.

Do lado de cá, as coisas são desorganizadas por demais. Não sei bem como lhes explicar isso, mas acontece que o além-túmulo não tem, assim, como dizer?... uma forma! No éter tudo está a trouxe-mouxe, como que jogado, não há administração, chefia, pessoal encarregado, etc.; é impossível distinguir ordem ou hierarquia, direitos e deveres inexistem, vige uma anarquia meio com cara de abandono. Confesso que esperava receber instruções de Deus, anjo ou demônio, quem sabe um uniforme, sei lá, até mesmo um julgamento serviria. Nada de nada. Espíritos nem bons nem ruins vagam a esmo neste lugar, que não é propriamente um lugar, e se resignam a uma duração que não guarda semelhança com o bom e velho tempo. No começo é angustiante, depois passa, aliás, essa é a única regra fixa por estas bandas: tudo passa. Encontrar familiares, amigos ou mortos ilustres? Só por um grande acaso, que também não ocorreu a qualquer dos meus novos “vizinhos”. Queria tanto encontrar mamãe e tia Mirtes...

Minha neta, filha do Benjamin, se casou há 3 anos e não fui convidado. Acusei o golpe, decaí; o diagnóstico: demência de Lewy. Exames mostraram o meu cérebro coalhado de bolinhas de proteína enovelada, restos dos meus destroçados neurônios. Comecei a variar da cabeça, a falar sozinho; mamãe me aparecia todos os dias. Já não conseguia andar; a prótese de quadril, resultado de um atropelamento criminoso que sofri, desgastara. Ouvi o médico, naquele jargão frio deles, dizer a Morgana na minha frente que já não valia a pena operar. A velha carcaça não pagava mais pule de dez. Como promotor sempre obtive a condenação daqueles que a grita pública exigiu; não sei porquê, ultimamente via nas paredes o rosto de um mendigo atropelado pelo filho de um empresário, rapaz este que alcancei inocentar. Ajudei o amigo, perdi a desembargadura.

Viver vicia. Os mortos só se ocupam do que fazem os vivos, os seus vivos, aqueles que de alguma forma lembram deles ― a mesquinha intriga familiar é o único jogo que motiva os que aqui estão. Porque morrer é entrar no Aleph, o ponto de onde se observam simultaneamente todos os lugares, coisas e pessoas do mundo. Com a nada desprezível vantagem de se enxergar dentro. Porém, com a maior TV a cabo do universo ao dispor, as avantesmas só assistimos ao mesmo triste programa de auditório mundo-cão de antes: a nossa minúscula vidinha. Os fantasmas vão desvanecendo progressivamente, entram numa letargia intermitente; cada vez que alguém ainda chora por ele, lembra dele, com amor ou raiva, toda vez que um neto pergunta quem é aquele da foto, ou do filme caseiro, toda homenagem ou reza em dia de finados, cada pesquisa no Google, produz um evanescente despertar. Ser esquecido é a morte dos mortos.

Sinto uma falta tremenda da Dita, minha cachorrinha; hoje, ela é a única que ainda pensa em mim sem uma ponta de ódio. Cordélia está triste, ainda não sabe que uma melancolia vai cavar um buraco no seu coração durante um ano, mas ela e a irmã vão superar; Creuza também, tem bons sentimentos, a coitadinha. “Colegas” me garantem que a melhor política é o desapego, que não há melhor remédio para o nada vindouro; mas não adianta, quem é senhor de domar o seu próprio eu? Este o busílis: o EU é a criatura de apetite mais voraz que pusemos dentro de nós, exorcizá-lo é que são elas. Funciona como Jesus Cristo: começa dizendo que é irmão, igual a todos nós, depois fala que é Filho de Deus, e acaba por se alçar ao triunvirato com o Pai e a pombinha. Largar de mão desse judeu argentino ― sim, Jesus era argentino, mas é uma história longa demais para começar a contar agora ― que mora dentro de nós é a verdadeira salvação. As almas não são penadas, apenas vão ficando alien(adas).

Deixei uma bomba no meu testamento, mas os meus parentes ainda não sabem. O importante é que fui velado na sala com vista para o vale do Pacaembu do Cemitério do Araçá. Rara naquele inverno chuvoso, uma tarde quente marcou a minha despedida; o pôr do sol banhou a cerimônia de adeus numa luz apaziguadora. Saí dos cafundós de Minas Gerais e venci em São Paulo; meus ossos jazem num belo mausoléu de um dos mais tradicionais campos santos da capital. Estou enterrado no topo da cidade. Meu filho veio, mas não chegou perto da campa. Com o que vi no seu coração posso contar; enquanto ele viver, estarei acordado.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

a vida como ela é...

como já dizia o Nenê Berola, amigo das antigas
“o cão que morde, esquece
o cão mordido, não esquece nunca”

esta é uma lenda de priscas eras, do tempo em que as diligências
sacolejavam na poeira do Velho Oeste
os animais falavam
e os dinossauros ainda se arrastavam sobre a face da Terra

férias escolares, andava aí pelos dezessete, dezoito certamente
que não, pois ainda não votava, mas nessa época ninguém votava
só que essa é outra história; vai que fui pra Bahia
na boleia de caminhão

a namorada não quis, ou não pode, ou havia um programa
na família; resultado: não foi comigo
escalei o amigo Tonho Brown, outro das antigas

bicho (como se dizia naquele então), eu tava amarradão
a brota era papo firme, cabeça feita; olhava, sentia e pensava
o mundo como eu

me explico: não quero dizer que ela pensava igual
a mim, mas que tinha sacadas próprias, originais, não tinha
aquela velha opinião formada sobre tudo

ah, Morro de São Paulo, casa de pescador, banho de latão
praia de manhã, PF uma vez por dia e forró à noite até o dia
clarear ― mamão com açúcar

Tonho ficou injuriado comigo nos rasta-pés: mulherio
chegando junto e eu só saindo de lado, jogando na retranca
cobrindo a zaga, afinal, tava paradão na mina

“Escuta, se é pra você ficar aí de vacilão, vou te contar...”
e por aí ele foi: arrodeou, pigarreou, enrolou, mas desembuchou
que tal e cousa e lousa e maripousa ― tinha furunfado com a mina

a minha mina! e o pior é que não foi vez
foram vezes! daí só deu Maysa na vitrola do coração
meu mundo caiu, eu que aprenda a levantar...

saí da função cuspindo infâmias, que ele não era amigo
coisa nenhuma, um traíra, duas-caras, pústula!
(essa eu tinha acabado de aprender num folheto)

a viagem tinha acabado, saí do recinto pisando duro
degustando o fel da crocodilagem, ruminando o veneno da perfídia
rumo do barraco do pescador, Gonçalo, baiano sangue-bom

encontrei o Gonça num boteco e despejei-lhe minh’alma
ferida de Otelo paspalhão;
arreganhando os belos dentes de imaculado branco

Gonçalo me conta a saga de seu último infortúnio
a burguesinha veio, se hospedou na sua humilde
cabana e dividiram cama, mesa e sonhos

jurou-lhe eterno amor, despediu-se em lágrimas, suplicou
que viesse para o Sul Maravilha, dormiria na edícula
da casa dos pais, até arranjar situação

“pois é, meu rei, não teve mole pra mim, não
fui parar num cortiço em Sampa e, do sanduíche
de mortadela, só vi foi o dormido pão”

a gata já tinha se ligado em outro, burguesinho como ela
Damares fez dele gato-sapato, jogou ele abaixo de cão
“pe-pe-peraí Gonçalo, Damares?, mas, mas...”

você já adivinhou?, que ela era ela e o outro era eu?
Gonçalo se virou para o dono do estabelecimento
“Josafá, bote aí uma dose de amansa corno pra nós
mas capriche, que o caso é grave!”

Tonho se juntou a nós e daí não lembro mais nada
só que terminamos a noite encachaçados até à alma
no único orelhão da ilha, berrando para o pai dela
“por favor acorde ela, é caso de vida ou morte”

“você quer me explicar que palhaçada é essa?”
“Damares, não fica brava, nós só te ligamos
pra dizer que a gente te ama pra caraaaalhoooo!”

é o que eu sempre digo:
enquanto não der o sinal,
ainda é recreio

sábado, 17 de julho de 2010

O Jogo da Gata-Parida

Mesmo com a razoável habilidade para desenhar que sempre tive, não consegui acrescentar nada à descrição que consta no boletim de ocorrência: branco, altura média, olhos e cabelos castanhos, nenhum sinal característico. Mais inexplicável é o que aconteceu com o rosto desse sujeito que ficou quase uma hora comigo: por mais que me esforce, não lembro de nenhum traço, ao mesmo tempo em que não consigo esquecê-lo. Sonho com uma face sem marcas, a testa normal, sem sobrancelhas grossas demais, nem um nariz torto, ou um queixo menor do que deveria; freqüentemente me aparece uma máscara de olhos vazados como nos filmes do homem invisível ― e acordo molhado de suor frio, o coração alvoroçado, ainda ouvindo aquela voz que também não me sai da cabeça.

Passados seis meses, meus agressores ainda me visitam todas as noites. É um mistério, um quebra-cabeças que não atinjo resolver ― não lembrar e também não conseguir esquecer. Vá entender essas coisas.

Fazia dois anos que o meu nome integrava a lista de profissionais fixos da Dental Care, clínica de clareamento dentário para chiques, abonados e famosos. A clientela VIP, as constantes aparições na mídia, as diversas unidades franqueadas, o instituto beneficente para crianças que os sócios divulgam no país todo, enfim, tudo isso fez e faz da DC a meca dos odonto-cosmetologistas. De fato, há um tanto de maldade e outro tanto de verdade nessa denominação, os produtos clareadores corroem essa camada mais externa que é o esmalte; quer dizer, procuro não pensar que estou prejudicando a saúde futura da dentição dos meus clientes, mas que os estou ajudando na questão da imagem e da baixa auto-estima. Além do quê, dei um duro danado para fazer parte de uma estrutura sólida e altamente profissional ― e isso ninguém diz.

Sexta pré-feriado, final de tarde, dispensamos as secretárias mais cedo porque havia um congestionamento-monstro na cidade devido ao Tiradentes que caía na segunda. Só restavam três profissionais e um cliente na clínica; eu mesmo já não estava atendendo e fazia uns telefonemas de acerto de agenda para a semana seguinte. A minha colega me chamou pelo ramal interno à sala dela, achei que ela ia me consultar sobre alguma retração gengival no cliente que estava em atendimento ou algo assim; não podia estar mais distraído quando entrei no conjugado vizinho e dei de cara com dois sujeitos de pé, um deles me apontou imediatamente a arma e anunciou o assalto, enquanto o outro remexia as gavetas e a minha colega, completamente aparvalhada, jazia sentada na própria cadeira de trabalho.

Resumindo: eram quatro bandidos, enquanto três deles saíram com as minhas duas colegas no carro insulfilmado de uma delas para sacar dinheiro em caixas eletrônicos, o outro ficou lá comigo.

Até aí me sentia seguro, os caras demonstraram muita segurança e não pareciam drogados nem tensos. Conheciam detalhes do funcionamento da clínica, tanto que sabiam que uma das meninas era também administradora e estava com o cartão da empresa; entregamos todo o dinheiro que havia em caixa e eles ainda embalaram alguns antibióticos, materiais e aparelhos que tinham valor de mercado. Quadrilha especializada, disse a polícia. Um deles se passou por cliente, fez orçamento e marcou o último horário de sexta. Comunicavam-se por rádio, eu fiquei como garantia de que elas não iam tentar nenhuma besteira; qualquer erro, eu pagaria com a vida. As regras estavam postas.

O “meu” bandido me levou para a sala de reuniões, era lá que a equipe se reunia e onde também eram filmadas as eventuais entrevistas; havia ali uma tela, data show, mesa ampla para cursos e palestras, estantes de madeira clara e fotos em preto e branco enquadradas nas paredes. Nunca mais voltei a entrar nesta sala. Para matar o tempo, o sujeito começou a brincar comigo: largou a arma numa das cadeiras anatômicas, girando o assento para fora da mesa. ― É tipo uma dança das cadeiras... ― disse, com aquela cara de nada.

― Um joguinho pra passar o tempo, doutor, presta atenção, ele tem três partes: a primeira parte se chama “jogo da gata-parida”. Como o senhor deve saber, as gatas prenhas precisam de um lugar seguro quando vão parir, elas buscam uma toca onde a ninhada fica escondida, precisam do melhor assento... como nós dois aqui... Doutor, doutor, o senhor não está me ouvindo...

Ele tinha razão, não conseguia tirar os olhos da arma sobre a poltrona giratória. Foi até lá, destravou a pistola e voltou a se afastar.

― Esta é uma ponto-três-oito-zero, automática, assim como deixei ela, é só pegar e apertar o gatilho, não tem erro: o senhor só precisa ser mais ligeiro que eu... ― afastou-se ainda mais e ficou numa das pontas da mesa me encarando. ― Mas vou ser justo e lhe avisar que nunca perdi neste jogo. Aqui, dentro do seu consultório, sou eu que tô na desvantagem da gata, não acha?...

Dei uma olhada para a minha barriga, tenho trinta e quatro anos, pratico tênis desde os dez; é verdade que uma barriguinha começa a despontar na minha silhueta, mas o fato é que me encontrava bem mais próximo da arma do que ele. Ninguém conseguiria ser tão rápido; avaliei que dava tempo de chegar à cadeira, empunhar o trabuco e dominar a situação. Dei um salto e catei a arma, que tremia na minha mão. Ele nem se mexeu. Não fiz exército, nunca tinha pegado uma arma de fogo de verdade na mão.

― Muito bem. Agora vem a segunda parte do jogo, chama-se “rato-ou-leão”; doutor, não adianta ter o poder, é preciso estar pronto pra usar... agora vamos saber o que senhor é... ― começou a caminhar, bem devagar, na minha direção.

― Pára aí, não quero atirar! ― me espantei ao me ouvir berrando. Não queria mesmo disparar, mas ele continuava a vir na minha direção, com ar de sonso. Mirei nas pernas: ― Click-click-click! ― Descarregada! O resto da cena passou-se numa velocidade inacreditável.

― Então é leão, né, seu rosca? Sabe o que me incomoda em gente que nem você? É que vocês não ouvem quando a gente fala, te disse que nunca perdi essa parada e não adiantou nada, né? Você nem quis saber como é se chamava a última parte do jogo, sabe como chama? Sabe ou não? ― ele me pegou pela gola da camisa junto com um tufo de cabelos, empurrou minha cabeça na mesa e encostou o cano de outra arma na minha têmpora enquanto berrava na minha orelha.

― Não, não sei... pelo amor de Deus, não atira!...

― Chama “tenho cara de otário, tenho”? Escuta aqui, acha que eu ia dar esse mole prum coxinha como você? Só você é que é esperto, é? Se as tuas amigas der vacilo, te queimo seu filha da puta!... morou?, entendeu agora quem está no comando aqui?

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A Angustia da Criação



Porque esse título? Posso ouvir de alguns idiotas que simplesmente tem inveja da minha “erudição”,
falta-lhe um orientador diz uma “doutora”,então durma depois de ler esse texto quando disse bancar não é no sentido de receber dinheiro pois afinal de contas eu gosto de mentir mesmo .Dinheiro não me faz falta, outra mentira .Mulheres de quatro por favor, agora falo a verdade . Estou angustiado por não existir um curso que tenha a minha cara porque a minha cara está comigo mesmo.Não quero ser doutor e bancar o ridículo dizendo as mulheres que posso formar uma democracia com elas, porque sei que no final elas vão querer a minha dita-dura...Desculpe se não tenho educação completa é que aquilo que é bom já aprendi na prézinho vendo o seio maravilhoso da minha professora, seio este que sempre volta em forma de pensamento, aliás que imagem maravilhosa até
vou bater uma para passar o tempo...

Cadê o paragrafo ?Não sei,aprendi a esquecer na escola aquele lugar miserável onde as crianças e adolescentes “adoram estar” fazendo de conta que gostam de estudar e assim se esquecer das bucetinhas da vizinhança.Adorava
brincar de médico com a minha vizinha, devia ter 8 anos de idade,pena não ter concluído o exame completo.O pai delas chegou antes e me disse que era melhor voltar para casa. A angústia advinda de criar algo é própria daquele que não quer fazer nada..Por isso vá lendo a minha obra que não quer dizer nada.. Aliás acho ridículo quando visito uma galeria de Arte nos Jardins e vejo uma pessoa a dizer o que a obra quer dizer e não respeita a leitura de outro.. Se a obra quer dizer isso porque não escuto ela dizer tenho de ouvi-la de sua boca?
Agora não quero saber de coisa séria a minha vida durante os ultimos dez anos tem sido estudar,estudar,estudar e me esqueci de que aprendizado só pode ser uma brincadeira pois afinal de contas quanto massei, mais esqueço, mais relembro e mais tenho de estudar, e lógico nada de aplicar tudo que sei, se não vou ser expulso da Universidade pelo simples fato de ser criativo demais
e incomodar os professores que só querem nos avaliar e os alunos somente querem saber de colar e receber um diploma com formato fálico assinalando sua impotência na vida criativa...
Será mesmo que preciso de alguém querendo controlar aquilo que devo saber? O que eu não quero saber mais é de um monte de avaliador ganhando dinheiro em cima do meu trabalho, isso vale para minha editora também.
Veja só o que acabo de ler no prefácio de uma obra do professor Walter Elias Furtado uma homenagem à sua esposa:
À minha adorável mulher, Silvia Alvim de Carvalho, pelas infindáveis horas de ausência dedicadas a este livro.
O nome furtado cai bem para quem já perdeu uma grana no mercado de ações. E aliás obrigado em sustentar sua esposa, pois enquanto o senhor escrevia seu livro eu me dediquei a ela.
Acabo também de receber uma ligação de uma cafetina que me pediu que pagasse a conta da terceira vez que transei com uma menina da casa.Pois é,para você ver como sou explorado coloquei o bruto ela fez o balanço e ficou com o líquido,a mais-valia está eu ter de pagar e ter dado prazer ao mesmo tempo. Aliás Hegel estava certo ao dizer que o trabalho é o espírito alienado de si mesmo,quem não trabalha vive do espírito que continua em si mesmo,agora aquele que trabalha procura superar-se esquecendo-se do próprio espírito, não é essa a experiência da alienação em seu estado mais fundamental?Omais engraçado é também ir ao banco e o gerente querer ver meu CPF e meu RG, para confirmar que eu continuo sendo eu mesmo. O gerente só acredita que eu sou eu quando uma terceira entidade(documento) atesta meu valor de existência.O mais temeroso vai ser
se eu perder meus documentos não haverá nada que prove que eu sou eu de forma que quem quiser
deixar de existir não precisa mais se atirar pela janela é só perder seu próprio documento.Aqui o que
estou tentando fazer é mostrar que talvez a pós-modernidade seja o encontro entre a vida e o prazer
de não existir mesmo insistindo na sobrevivência, não é o contrário do que muitos dizem por aí que
a vida é uma bosta no entanto temem sua não existência e sentem prazer ao afirmar que tudo é uma bosta?Figuras dessas precisam se reiventar, por exemplo o que fazer quando se está desempregado?
Por que não fica tranquilo e vai fazer algo que lhe da prazer?Você por acaso não acha que se livrar do emprego e principalmente de um chefe idiota é o mair presente que ele pode te dar afinal de contas o melhor presente que uma empresa pode te dar é uma carta de demissão.Mesmo é que
gosta de ver os colegas de trabalho e ter de dizer bom dia todos dias não seria melhor ser sincero e dizer que um dia bom é aquele que não preciso ficar repetindo a vida em seus mínimos detalhes o ideal é dizer para sua colega de trabalho se ela não quer ficar pelada no escritório comigo enquanto
os trouxas almoçam,a melhor coisa da vida deve ser lamber a buceta daquela secretária loura de lábios carnudos que anda rebolando por aí imagine se eu comer a sua secretária, bom não imagine muito seu vower filho duma puta. Vaí lá e faça você mesmo.
Até me enojo de entrar em uma padaria e ver aqueles caras dizendo para mim e aí vai um mineiro quente, eu prontamente tenho de responder que prefiro um queijo de minas na chapa. Porque a viadagem anda tão grande na avenida brigadeiro luís antônio que o simples fato de eu recusar
educadamente o ato sexual com a garçonete que trabalha no restaurante ao lado já se torna um viado é até bom que eu seja viado mesmo porque se vocês tivessem certeza da minha masculinadade aí mesmo é que não iam me deixar em paz.

Acabo de voltar do bar em que conheci um cara esquisito seu nome é Dimitri Borja Korozec filiação:Pai servo e mãe brasileira.Profissão:assassino Alvo predileto:Líderes Políticos,o cara é muito esquisito disse que seu pai era um anarquista de um grupo que arrancava o testículo da direita forçando os que nascessem a serem da esquerda.Ele me contou sobre a data mais sagrada do calendário histórico dos sérvios, Domingo, 28 de junho de 1514 – A batalha de Kosovo, realizada há
cinco séculos, em que, segundo a mística eslava, a flor dos Bálcãs foi esmagada pelo barbarismo dos turcos.Lembrei-me da guerra da bósnia televisionada a quatorze anos atrás, eu muito inocente não conseguia entender porque a televisão registrava aqueles acontecimentos. E também nunca entendi a guerra do Golfo(1991).Esse ato de não entender nada não é o mais desesperador que pode
acontecer a um ser humano?Ao perguntar ao pai porque as pessoas se matam a pergunta mais interessante é porque eu continuo vivo enquanto outras pessoas continuam morrendo inocentemente?Porque sou obrigado a assistir espetáculos de sadismo onde crianças são estupradas velhos maltratados pelo seus filhos e psiquiatras a dizer que meu pânico diante do mundo não passa de um complexo mal resolvido não será essa a fantasia da pós-modernidade superar os próprios pais
através de uma luta falsamente “revolucionária”? Será que vou ter de continuar a ouvir dos psiquiatras que minha rebeldia não passa de um complexo mal resolvido?Ou será que devo aplaudir
o rapaz que num ato involuntário de liberdade destrói as mercadorias de sua casa porque tentou mostrar ao mundo que o as mercadorias escondem um excesso próprio do capitalismo e que aquele monte de merda o deixa muito incomodado, e a quantidade de aulas que somos obrigados a assistir
simplesmente porque um professor precisa de emprego? E se devessemos acreditar que a noção de pós- modernidade deva ser abandonada e que simplesmente devemos repitir o gesto de nossos pais lutando para que as pessoas se relacionem através de um ação comunicativa de talhe Habermasiano?Todas essas são questões que muitos tem de fazer a si mesmos para acabar com sua
própria idiotice...
E se com a pós-modernidade estaremos também nos desfazendo da própria ética moderna?E se o sujeito ético é aquele que simplesmente não consegue entender o que quer uma mulher afinal de contas o que poderia uma mulher querer um cara como eu? Um idiota que simplesmente não consegue estruprar uma mulher,ou seja,obriga-la a fazer aquilo que ela sempre quis fazer mas não sabe que quer?E se eu um dia estuprar uma mulher só me resta torcer para que ela goste do ato e contrate uma advogada de acusação bem gostosa é claro,assim terei o melhor prazer em descrever
como foi o ocorrido para ela e de réu passarei a ser mais um sortudo por aí....

Alexandre Alves - alexandrealaa@hotmail.com

domingo, 20 de junho de 2010

as coisas a que chamamos palavras

o problema da poesia
é sabermos se ela existe
ou não

ouvimos
o canto das sereias
cegamente
porque o poeta se amarrou
ao marinheiro

os pássaros falam com os anjos
ecos da criação
a língua dos deuses deve desaparecer
para que haja vida
assim como a realidade deve morrer
para que haja poesia

recentemente descobriram
que a loucura é só uma forma
mais sublime
de ciência

poesia é bandalheira
e sacanagem
o poeta veio para barbarizar
chama as coisas pelo nome
trata as palavras
como coisas

o trabalho da linguagem recorta
o dizível
em pedaços descontínuos
a natureza da poesia é ultrapassar
fronteiras

poeta é quem vai além
usa metáforas
como arma contra a metafísica
faz do veneno
remédio para a linguagem cometer
suicídio

aqui onde estamos
as coisas ganharam
a autonomia
que as palavras perderam

segunda-feira, 14 de junho de 2010

cuidado com aquilo que você ama, seu cérebro pode acabar se viciando nisso

futebol é basicamente ocupar espaços

Nelson Mandela puxou 28 anos de cana
em ilhas do terror
em celas onde não podia caminhar
nem ficar de pé
seus carrascos, foucaultianos, castigaram-lhe o corpo
para lhe quebrar o coração
para assim lhe vincar a alma
e nela instalar uma dobradiça

a vida é guerra
que o jogo da bola em sua desimportância
imita
futebol, mais que precioso ópio, supérfluo
fundamental item entre os que não têm nenhuma
importância

no futebol como na vida não há sistema
completo
se um time joga avançado
desguarnece a retaguarda
se joga mais recuado
precisa roubar a bola
avançar com rapidez
e não desperdiçar as poucas chances
ah, e o caos sempre prevalece
sobre esquemas e previsões

os meninos correm descalços pelos campos
da África
e então sei que o mundo nasceu
de novo a vida começou
porque só Ali e Pelé suspenderam a matança
na África
porque o futebol é a desforra da poesia
só na batalha de 90 minutos um único solitário
artista
pode dar a vitória
à beleza

Mandela não se dobrou e nem quis a vingança
um novo herói nasce em Soweto
lá a vida passa raspando como uma bola
rolando rápida no tapete de Soccer City
voando
como um canhotaço de Tshabalala
um pombo sem asas
no ângulo no ninho da águia
mexicana

festa na favela
festa no mundo todo
força rapazes
sou bafana bafana
desde criancinha

sábado, 12 de junho de 2010

liberte-se 18 de mio



Sem crueldade ou opressão
Vivo eu Vive tu
Nesta eterna desconstrução
Sentimos como pássaros caídos
De um tempo de incertezas
Com pouca remuneração
Mas não existimos só nós
Também Médicos e Psicólogos
T.Os. e Enfermeiras
Os loucos são eles?
Será acso tortura sem nome...
Precisamos de Remédio
E sentimos muita fome...
De alimento, de carinho de Atenção
Liber-te-se um Dia
E não se esqueçam Nossas Emoções
Reprimidas, Angústia e sem Ninguém,
Qual doido ou ator
Não sentem falta de Amor.
E o que dizer das Famílias
Pobres e desunidas
Que seus olhares lamentam
Tanta desorganização
Talvez alguém ouça nossos gritos
De mim, De Todos, tão aflitos
Que Dói não Sabermos
Totalmente Sãos.

Libni, 17/05/2010

domingo, 6 de junho de 2010

a memória das não-coisas

toda a poesia
é precisamente a situação
oscilante
de um bêbado à beira do precipício

mas a minha memória
cloaca máxima de rejeitos
espécie de museu
do oblívio

define e consome
as coisas como se só elas pudessem perdurar
para além da nossa mesquinhez
e precariedade

porém
amar não é
entre as diferenças nomeadas cotidianamente
previstas
captar as afinidades subterrâneas suas
dispersas similitudes?

porque há uma relação com a vida
que é de espanto
miragem
além do valor funcional
da serventia

como um E.T. tombado dos céus
que a estudasse com paixão e obstinado rigor
tomando paulatinamente consciência da queda
desarvoradamente
alumbrado diante das coisas

sexta-feira, 4 de junho de 2010

COSMOEROTICA

transvivência
a noite tem a idade
do meu esquecimento e descuido do medo que tive
da presença
vazio de mim mesmo flutuarei
sobre golfundas honduras
interiores
enterrado batatarei do teu trigo
lançado durante as calêndulas
abissínicas
o mundo só existe em mim
como ruído
comigo morre um campo cantante primevo
corroídas desmemórias simetáforas
só eu me perco pelas esquinas da carne
nadanonada
no frio hiato que interrompe as letras e as acesas
estrelas
do chão de ferro se levanta o vento forte
aos que temem o peso das próprias
asas
contemplarei a aura das flores
lúrida conspirata que consolida
poeira com osso com osso com carne com ectoplasma
numa ação de marketing sinfonia dos corpos
deusa insaciável gozo de Deus
retesado
em turbilhão de imagens alcalinas
ou correntes rios inermes catódico-cacofônicos
a lavar o cemitério marinho da academia
dos místicos
suspenso o sentido instilada a pausa
namente despalavrada assopra
a brisalma do eterno
briluz alegria
docilêncio

domingo, 30 de maio de 2010

nada é o que aparece, o invisível sempre estraga tudo

o segredo do mundo não guarda
nenhuma redenção
talvez apenas mais
demência

você vive imune na Bolha
mora na Zona Verde de Bagdá
ou pega buso no pé do morro
(Ameno Resedá)?

mas existe fora do Google Maps
algum lugar de não
de mentes que incaptam
o Sistemafodão?

não há limites naturais
para o impensável
o assassinato em massa elevado a arte
performática do século

estranhamente familiares despidas
de afeto belas e amargas crônicas
sobre pessoas vazias de esperança
e sentido

eu você e todos nós
nada fazemos pelas
outras pessoas como qualquer
outra

acontece que ainda estou na pegada
seguindo segundo
a segundo a levada beat
pulso da pulsação

quarta-feira, 12 de maio de 2010

deixa a Clementina vadiar!

a forma mais perigosa de lucidez
é a loucura
solidão universal dos videntes
que não aconchambram
não coligam
não arreglam
nem rezam nos cemitérios clandestinos
da ditabranda

o país dos grandes, poucos e bons cresce
inútil e cruelmente
colossos demográficos
emergem do capitalismo sem incômodos
da lei

temos a nova classe C
de conservador
(ninguém merece)
sempre o passito pra trás
sempre os mesmos perfeitos bundões
latinos
verborrentos
bravateiros
Machos Camachos
que pegam, matam e esfolam
mas não têm a coragem de mover
uma palha

então era só isso
sobe os juros
pau nos pobres
periféricos e pardos
rola a roleta da finança
e fodam-se as ilusões
(juvenis?)

meu amor
viva o amor
viva comigo
OBS: projetos de imaginação de renda

soltem as forças produtivas da nação
levem os meninos para a Copa
para a ONU
para Marte
é absolutamente necessário saber perder
com alegria
ousar a glória
com leveza

chega de volantes de contenção
pelo fim da caça às sereias
da Vila
basta desse negócio de jogar com medo
do sonho
queremos fantasia no comando de ataque
da seleção canarinho
queremos a poesia na cabeça
da proa

sexta-feira, 7 de maio de 2010

SINASTRIA

a alma é um puteiro com 9 mil milhões
de quartos
em cada um, 9 zil zilhões de paixões
diferentes

a imaginação
é a louca dessa casa
de tolerância

aquilo que no espírito
se acoita
não pode ser visto
senão
pelos ouvidos moucos
da paixão

o navio no qual nasceste
é uma casca de noz
ATRAVESSIA
nas nebulosas do vir
a ser

deslizas sobre os infinitos
congelados
do incerto instante
solitário é o rumo
rema remador

a morte vive a moquir
a substância
do não

nada te sustenta
na falta-a-ser
resta
a capacidade de nadar

o vivente
vivo está por força
do amor
simetria de afinidades
desastradas

só pelo amor
a alma participa
da vida

quarta-feira, 5 de maio de 2010

o dragão diurno

como é pesado carregar
o morto
em vida

um dragão pousou no jardim
passado um dia
é como se ele sempre tivesse estado


sábado, 17 de abril de 2010

canto desfeito (em terza rima)


no meio da vasta selva desta vida
seria moça, ou talvez fosse ave
o que vi, de rumo certo já perdida?


falei-lhe à porfia, porém suave
batia as rêmiges, fazia figas
em mil cores irisada cambiava


disse temer as serpes como imigas
(uma se lhe enrolou colo acima)
procuro os altos ramos, cumes, vigas


pois aos voantes a altura anima
no ramerrão terrestre correm na lama,
dobram a cerviz, encolhem a carina


assim belcantou a mais que bela dama
mas não cessaram as fraudes e enganos
da mulher-pássaro, saí-da-montanha


o revés do amor é mal soberano
findou nossa conversa nesse instante
farto de tantas fintas mudei meus planos


o aspecto desfez-se completamente
coxas e patas e mais ventre e peito
nela se uniram como cera quente


bati asas
e voei
contrafeito

segunda-feira, 5 de abril de 2010

encantadora beleza orgânica de matéria viva e corruptível



o amor não é nada
se não for
loucura
uma coisa assim
insensata
proibida uma aventura nos caminhos
do mal

de outra maneira vira piquenique
agradável
rima pobre de canções
amenas
salamargo de vidas
bestas

para me apresentar a você
tive de esquecer
que já lhe conhecia há muitas eras
antes
ainda dos seus olhos
eslavos

lembro que foi na escola
pedi emprestado
um lápis
(já te amava esferograficamente)
daí
estas marcas no meu corpo
não existe nada mais
despudorado
sem qualquer vergonha do absurdo
e do extremo

terça-feira, 23 de março de 2010

Vozesnet.m4v




http://www.youtube.com/watch?v=y4obMiWCw5w


arte copy´ndpaste

sábado, 20 de março de 2010

um manicômio privado que se chama família



o problema não é a loucura
é a estupidez
o problema é que não há loucura
onde não houve
maldade


o tolo aposta suas chances na loteria
do acaso
o sábio toma do azar
as oportunidades


o louco pode fazer qualquer coisa
o idiota só
uma


de vez em quando é bom mudar
de idiotia
porque as paixões mudam
mas a paixão
nunca
.
___________________________________________________
Sem Título, técnica mista de Cleuza de Sousa, 2005.

sábado, 6 de março de 2010

pequenos ― e constantes ― delitos

Samba?
poesia não cede
nem cedo
de
pura
eu
muitas vezes via
a ínvia
impossível vida
e você a me dizer
apura
no plantio da sensimilla
o chulé verbal
dos vãos trocadilhos
e nessas o poeta
submerso em bruxarias
sua
para pagar o condomínio
sua luz bruxuleia
incerta
seu andar de sátrapa
e os carnês todos atrasados
ainda assim
poeta que é poeta não abandona
existe de pura
teimosia
homero sexual
humilhado
pela nossa cegueira
sem nada
ou ninguém que o valha
o velho lear
insiste
enche o saco de meio mundo
em êxtase
diz a todo momento que a poesia
é uma forma rara
um acidente
do lugar
comum





o poeta e xamam Roberto Piva-Shiva recebe as consultas

banco Itaú
agencia 0036 conta corrente 20592-0
cpf 565.802.828-0

http://www.youtube.com/watch?v=bWsV9AIZCqA

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

sul


dia aluado

o mapa onde quero mar

espero não

nas curvas naufragar

ver o sol

estudar a teoria da batalha

a partir do seu corpo

a lua de novo com

água no rosto

reflexos

de razão ao norte

você ao sul

sábado, 20 de fevereiro de 2010

adapte minha poesia a qualquer poperô


se você se fechar
não me deixe
pra fora


se acaso você chegar
a se encontrar
não fique me dando
perdido


se resolver se tatuar
não me apague
do seu fotolog


não sei ler seus silêncios
nem enxergo a noite
em modo de espera


jamais construí (as necessárias)
pontes
entre o nada e a mesquinhez
do meu medo


sei que toda a vida
provém da montanha

você me diz que palavras não são
tudo
mas é que
às vezes
gosto de ouvir você

dizer que me ama

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Dogen e o Portal da Agradável Tranqüilidade


Dogen Zenji (1200-1253) foi um dos principais reformadores da tradição budista japonesa, o Zen-budismo. Filho de aristocratas de Kyoto, viu-se órfão de pai e mãe muito cedo, decidindo tornar-se monge aos treze anos de idade.

O estudo das escrituras budistas logo lhe suscitou profundas indagações:
– Se a fonte do Caminho é universal e absoluta, por que distinguimos a prática da iluminação?
– O ensinamento supremo sendo livre, por que precisamos estudar os meios de atingi-lo?
– Já que o Caminho não se confunde com a delusão, por que então preocupar-se em eliminá-la?
– Se o Caminho está completamente presente onde se está, como é que poderíamos nos perder dele?

O jovem Dogen conseguiu convencer seu próprio mestre, Myozen, a empreender com ele uma viagem de peregrinação à China em busca de respostas. Assim que o navio em que viajavam aportou em terras chinesas, um velho subiu a bordo. O ancião era cozinheiro de um templo das redondezas e andava à procura de cogumelos para a refeição dos monges.

Dogen insistiu para que ele passasse a noite a bordo e repousasse, uma vez que a caminhada de volta ao templo era longa. O velho cozinheiro respondeu-lhe que seu trabalho era muito importante e não poderia ser adiado. Dogen perguntou-lhe se não havia no mosteiro quem o pudesse substituir, ao que ele lhe retorquiu dizendo que aquela era a tarefa que lhe cabia, se um outro a fizesse, o trabalho não seria mais seu.

Antes de se despedirem, Dogen ainda quis saber por que, em idade tão avançada, o cozinheiro ainda exercia uma atividade tão cansativa; ao que o idoso lhe disse que na resposta desta pergunta estava o verdadeiro significado dos ensinamentos de Buda.

Mestre e discípulo seguiram para o mosteiro de T’ien-t’ung-szu onde se devotaram intensamente à prática e aos estudos religiosos durante dois anos. Após este período, Dogen partiu em busca de novos ensinamentos que o conduzissem à experiência iluminada.

Nesta nova jornada, a qual empreendeu sozinho, encontrou diversas escolas do budismo chinês e ouviu a doutrina de muitos a quem consideravam sábios e Bodhisatvas, conhecendo os mais notáveis mestres daquele tempo. Seu desapontamento crescia à medida que viajava, pois que muitos destes mestres eram por demais ligados à vaidade e interesses mundanos.

Conheceu um renomado sábio que se dividia entre seus afazeres no templo e a corte de um poderoso senhor a quem servia na função de conselheiro; alguns destes falsos mestres chegavam a ter a ousadia de conferir o Selo do Darma em troca de favores e vantagens pessoais! Estava decidido a voltar ao Japão quando lhe chegou a notícia de que o grande e venerável mestre Ju-ching se tornara o superior do monastério de T’ien-t’ung-szu, onde passara os primeiros dois anos na China.

Resolveu retornar ao monastério acreditando que lá encontraria o seu verdadeiro mestre. Quando pôde conversar a sós com o líder espiritual ouviu as mais humildes palavras que um superior já lhe dirigira: a grande novidade não se encontrava ali, mas alhures, onde um monge que ele, Ju-ching, orientara finalmente atingira a ponte que leva diretamente à natureza-Buda.

Dogen foi informado que este irmão o aguardava ansiosamente porque sabia que não lhe restava muito tempo de vida. A linhagem do Zen é uma transmissão direta, face a face, de Buda a Buda, inquebrantável e suficiente. Não há nada a ser transmitido. Apenas Buda reconhece Buda.

No alto de uma montanha, num pomar de cerejeiras já quase sem flor o encontrou. E então Dogen se viu diante do velho monge cozinheiro. E compreendeu.

Não há dualismo, não há separação entre a vida diária e o Caminho.

O Buda que se ia estava sereno,
tranqüilo como um Dragão na água
ou um Tigre recostado na montanha.

O Buda que despertava
sentia-se enfim em casa,
no seu elemento natural

O Tranqüilo Estado de Liberdade Iluminada.

domingo, 31 de janeiro de 2010

quando Deus manda...


— Dna. Camélia, a senhora acaba de perder tudo na enchente diga alguma coisa para os nossos ouvintes, passe a sua mensagem, seu apelo!...

— Ah, meu Santíssimo, o homem põe e Deus dispõe, graças ao bom Deus, que nóis só perdeu foi coisa, meus filhos tá aqui do meu lado, louvado o Senhor seja, meu marido tomém tá salvo porque tava no bar na hora da tragédia, agora nóis perdeu foi tudo: roupa, móvis, televisor, comida... (soluço) nóis tá é numa precisão danada do decomer...

— Ouvintes do nosso programa Se Abra Para Cristo da sua rádio Evangelho da Graça, FM 101.1, se vocês puderem enviar donativos, alimentos, o que puderem, liguem no 39998666 e façam a Graça correr para suas vidas. Jesus Cristo esteja em vossos corações! Agora passamos aos nossos anunciantes...

— ... (chorando) nem sei como lhe agradecer, irmão Enoque, que Cristo sempre ilumine os seus passos e faça seu programa o maior de todos do rádio, Deus vai olhar pela minha família...

Acontece que o Inimigo não dorme nunca, e Simão Ahasverus, Pontifex Maximus e Grande Arquimandrita da Igreja da Negação, a tudo ouvia e ligou imediatamente para a rádio, conseguindo o endereço da vizinha onde Dna. Camélia estava albergada com a família; seu plano astuto era dar-lhe pelas mãos do Maligno o que ela havia pedido ao Altíssimo. E fazer os ouvintes da 101.1 FM saberem disso. No mesmo dia, lá chegava o estafeta de Ahasverus com uma generosa doação aos desabrigados e, claro, a equipe da rádio para colher tão belo testemunho ao vivo. Dna. Camélia não perdeu tempo e pôs-se a arrumar os donativos junto com a filharada que se esbaldava nos bombons e salgadinhos que chegaram em caixas. Havia mantimentos para mais de mês.

O preposto faz então a pergunta capciosa: — O que é que é isso Dna. Camélia, a senhora nem vai perguntar quem está lhe mandando tamanho presente?

— Carece não meu filho, quando Deus manda, até o Diabo obedece...

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

sou avulsa mas tô na moda



lições da antimateria: vamos acabar com a psiquiatria e a antipsiquiatria com uma grande liberação de energia. O barulho do bigbum ainda está por aí, no mundo, dentro de nós o silêncio de antes
a melhor maneira de manter o segredo é escrever poesia
lição pascaliana da roleta universal: se deuses existem e obedeci seus mandamentos tudo bem: fui boazinha
Se não ek-sistir então estou em falta, mas se estou em falta: desejo e se desejo: estou viva!
A.rte A.vulsa

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

FRATERNÁLIA


eu ?

eu não quero ser subjeito

não tem jeito

no avesso

ou no direito

não me sujeito

sou massa

sem fôrma

mar talvez rio

sem leito

não consigo ser branco

mongolóide, australiano

preto

ser macaco-humano

procarionte não

aceito